ERVAS “DANINHAS” COMESTÍVEIS*
Eng. Agr. Marco Antônio(Toni)Backes
M.Sc. Prof. Fac. Agronomia – UFRGS
Existem inúmeras plantas de alto valor alimentício e medicinal crescendo espontaneamente nos jardins, calçadas e terrenos baldios, mas, que por pura falta de informação, são considerados plantas invasoras (inços) e invariavelmente são capinadas. Para nos interarmos de seu uso devemos conhece-las.
ANA PRIMAVESE (1997) questiona a denominação “plantas daninhas” da seguinte forma: “São ecótipos perfeitamente adaptados às condições do solo. Portanto, são plantas indicadoras. E, quem sabe decifrar sua linguagem, não vai combatê-las sem saber por que apareceram. Assim, a ‘leiteirinha’, uma Euforbiácea, aparece na soja se faltar molibdênio. Colocando molibdênio, a soja se beneficia e a leiteirinha some. Somente aparecia por conseguir mobilizar molibdênio em um solo no qual a soja não o conseguiu mais. O ‘carneirinho’ ou carripicho-de-carneiro, uma composta, aparece especialmente em campos com plantação de feijão, indicando a deficiência de cálcio, podendo ser combatido através da calagem. O nabo bravo, uma crucífera, aparece em campos de trigo em que falta manganês e boro. Mas quando aparece papoula é sinal de que há um excesso de cálcio. A guanxuma indica solos muito compactos e um Andropogon, o rabo-de-burro, somente cresce em campos em que existe uma camada que estagna água. Todas as plantas invasoras indicam alguma coisa, mas, ao mesmo tempo corrigem-na. É através delas que a natureza recupera os solos estragados pela agricultura, Portanto, quando aparecem com muita persistência, alguma coisa está fundamentalmente errada. A natureza tem um único objetivo: garantir a continuação da vida, ou seja, recuperar o que foi arruinado, sanar o que esteve doente, eliminar o que não presta mais. Tudo tem razão.”
“E o mais interessante é que exatamente o sumo cozido de plantas invasoras é um dos maiores defensivos. Mantém a saúde das plantas, porque fornece exatamente o que está faltando e ainda as abastece com hormônios para crescimento. Também uma adubação verde com ervas nativas é um poderoso ‘remédio’ para as culturas. Fornece enzimas e substâncias nutritivas que as culturas não conseguem absorver. Cada planta possui um poder de absorção diferente e enquanto, por exemplo, em um solo ácido, a aveia consegue somente mobilizar 50 microgramas de cálcio por mililitro de seiva, a tanchagem (Plantago) consegue 1.500 m/Ca. É muito mais interessante tentar decifrar a mensagem de cada erva nativa do que combatê-la indiscriminadamente, e procurar a razão das pragas e doenças em vez de matá-las”.
A maioria destas plantas são consideradas ruderais (ver quadro abaixo), muitas delas acompanham o homem como alimento há séculos, mas perdeu-se, em determinados momentos e por diversos motivos, o uso nutricional de boa parte. Fora estas ruderais, também devemos observar uma série de plantas nativas úteis em nossa nutrição. Opções não faltam, é só força de vontade de quebrar costumes.
* As plantas em geral podem ser classificadas segundo sua origem em três grupos:
NATIVAS: originária do ecossistema em questão
EXÓTICAS: podem ser do mesmo País, mas não do Ecossistema de determinado local
RUDERAIS (ADVENTÍCIAS ou COSMOPOLITAS): ocorrem espontaneamente em diversos locais, mas não se sabe mais que região/país originou a espécie.
“Toni Backes – Paisagismo”
Tab.1 – Ervas comestíveis de ocorrências espontâneas em sítios e jardins no Sul do Brasil.
Adaptação de ZURILO & BRANDÃO (1989) e RAPOPORT et alii (1999).
Nome Comum Nome Científico Ocorrência/ Origem Uso/observação
Almeirão do campo Hypochoeris radicata Sul do Brasil
Amora-preta Rubus urticaefolius Desde MG, até o RS Frutos: geléias, tortas, licores
Azedinha/língua de vaca Rumex acetosella Sul Folhas: saladas, se cozidas: sopas, omeletes
Folhas+mel faz suco semelhante limonada
Bardana Arctium minus Todo Brasil Folhas cru ou cozidas
Beldroega Portulaca oleracea Quase todo mundo Para: engrossar caldos, sopas, molhos
Capim arroz/gervão Echinochloa cruzgali Quase todo mundo Sementes p/ farinha substituta do arroz
Cardo Carduus nutans Eurásia Talos jovens como aspargo
Cardo negro Cirsium vulgare Sul flores: alcachofras, mastigar sem espinhos
Folhas, raízes e talos jovens:
Cardo santo Sylibum marianum Eurásia Folhas, Raízes, frutos e sementes cozidos
Carurus Amaranthus spp. Todo o Brasil Refogados, molhos, saladas, pastéis
tortas, panquecas, sementes: farinhas
Chaguinha Tropaeolum majus Am. do Sul e Europa Empanados ou mistura com saladas
Chicória silvestre Chicorium intybus Sul Raízes tostadas como café e saladas
Folhas e flores: saladas
Corda de viola Ipomoea quamoclit Nativa do Brasil Folhas cozidas
Dente de leão Taraxacum officinalis Todas zonas temperadas Folhas: saladas, refogados
flores: geléias
Espérgula Spergula arvensis Europa Sementes
Fruto de pomba Phytolacca thyrsiflora Quase todo o mundo Os ramos novos cozidos como aspargos
Jambu Spilantes acmello Todos país Saladas, refogados
Juá Solanum sisymbrifolium América Os frutos: ao natural ou geléias
Língua de vaca –fl.larga Rumex obtusifolius Europa Folhas cozidas ou cruas
Lírio do brejo Hedychium coronarium Quase todo o mundo Extraí-se fécula dos rizomas, “spritzbier”
Mj Gomes/Maria Gorda Talinum sp. Todo o Brasil Refogados, pizzas, pastéis
Mastruço Coronopus didymus Todo o Brasil Omeletes, saladas e refogados
Melão São Caetano Mormodica charantis Quase todo mundo Sementes: saladas, fritas
Mostarda dos campos Sinapis arvensis Sul do Brasil / Europa Folhas e frutos cru ou cozidas
Nabo-branco/silvestre Brassica campestris Todo o Brasil Folhas consumidas como verdura
Ora-pro-nóbis Pereskia sp. Quase todo o Brasil Saladas e refogados (folhas)
Quinoa Chenopodium album Europa 1 planta= 500.000 sementes => farinha
Folhas: saladas, refogados, pastéis
Rabanete silvestre Raphanus sativus Mediterrâneo Raiz: crua ou cozida; folhas: saladas
Samambaia Pteridium aquilinum Todo o Brasil Tortas, picles (ferver antes)
Serralha Sonchus oleraceus Todo o Brasil Refogados e saladas. Talos como aspargos
Setaria (capim rabinho) Setaria spp. Todo Brasil Sementes
Taboa Typha angustipholia Todo o Brasil A parte interna e macia
dos brotos substitui o palmito
Tanchagem Plantago sp. Quase todo o mundo Bolinhas, refogados, fritas, molhos
Tiririca amarela Cyperus esculentas Todo Mundo Consome-se os tubérculos
torrados como passas, ou in natura
Tomatinho Solanum pimpinellifolium América Molhos e condimentos
Trapoeraba Tradescantia sp. Mundo inteiro Saladas cruas ou refogados
Trevo-azedo Oxalis spp. Todo o Brasil Molhos, refogados, saladas
Urtiga Urtiga urens América, Europa Sopas
Urtigão Fleurya aestuans Zona temperada Sopas e refogados
Vinagreira Hibiscus subdariffa Todo o Mundo Frutos: geléias, licores, vinhos / folhas: guisado
“Toni Backes – Paisagismo”
Tendo a tabela acima com algumas plantas e os livros do Lorenzi (2000 e 2002) tanto o de Medicinais como o de Daninhas se consegue uma precisão científica para evitar erros. Uma primeira recomendação minha é que normalmente estas plantas devem ser consumidas quando jovens ainda não iniciados os processos de florescimento, quando são menos amargas.
Abaixo colocamos uma tabela que pode nos dar pistas interessantes de quanto estas plantas são potencialmente fornecedoras de macro e micro nutrientes para enriquecimento de solos e possivelmente na nutrição humana.
TAB. – ACUMULADORES DINÂMICOS – Exemplos de plantas com alta capacidade de extração de
determinados micronutrientes do solo. Em princípio, tais plantas podem ser usadas como fonte destes nutrientes.
FAMÍLIA
NOME CIENTÍFICO
NOME POPULAR
Na
Fl
Si
S
N
Mg
Ca
K
P
Mn
Fe
Cu
Co
Asterácea
Arctium minus
carrapicho
X
Asterácea
Chamomilla recutita
camomila
X
X
X
Asterácea
Cichorium intybus
chicória
X
X
Asterácea
Senecio vulgaris
senécio
X
Asterácea
Tagetes sp.
cravo de defunto
X
Asterácea
Taraxacum vulgare
dente de leão
X
X
X
X
X
X
X
X
Boraginacea
Borago officinalis
borragem
X
X
Boraginácea
Symphytum officinale
confrei
X
X
X
X
X
X
Cariofilácea
Stellaria media
esparguta
X
X
X
Equisetaceae
Equisetum arvense
cavalinha
X
X
X
X
X
Labiada
Melissa officinalis
melissa
X
Leguminosa
Lupinus sp.
tremoço
X
X
Leguminosa
Medicago sativa
alfafa
X
X
Leguminosa
Trifolium protense
trevos
X
X
Leguminosa
Trifolium repens
trevos
X
X
Leguminosa
Trifolium sp.
trevos
X
X
Leguminosa
Medicago lupilina
trevos
X
X
Liliácea
Allium sativum
alho
X
X
X
Liliácea
Allium sp.
cebolinhas
X
X
Poligonacea
Fagopyrum esculentums
trigo sarraceno
X
Poligonácea
Rumex obtusifolias
língua de vaca
X
X
X
X
Pteridacea
Pteridium aquilinum
samambaia campo
X
X
X
X
X
X
Tifácea
Typha latifolia
taboa
X
Umbelífera
Daucus carota
cenoura
X
X
Umbelífera
Foeniculum vulgare
funcho
X
X
X
Uma das outras vantagens do consumo destas plantas, segundo Clara Brandão (informação pessoal), é:
– Não serem transgênicas;
– Não terem sofridos melhoramentos genéticos que nem sempre contempla aspectos nutritivos;
– não precisarem de adubação química e seus contaminantes;
– não precisarem de aplicações de agrotóxicos;
– não precisam de transportes de longa distância;
– muitas vezes são consumidas recém colhidas.
“Toni Backes – Paisagismo”
De qualquer forma, algumas precauções podem ser tomadas, conforme recomendações de Eduardo Rapoport, considerado um intrépido comedor da grande maioria das plantas existentes sejam exóticas ou nativas.
PLANTAS COMESTÍVEIS NÃO CULTIVADAS/ESPONTÂNEAS – COMO UTILIZÁ-LAS
RECOMENDAÇÕES ANTES DA INGESTÃO (RAPOPORT et alii, 1999)
1. Não coletar as plantas em sítios contaminados ou onde haja sinais da presença de animais domésticos. Se suspeitar que possa haver cachorros no lugar, como prevenção melhor cozinha-las. Evitar áreas com lixos ou dejetos, especialmente de lubrificantes, tintas, solvente, etc. Tratando-se do uso de plantas aquáticas averiguar de onde vem sua água. Se passarem por zonas povoadas, onde possa haver fossas vertidas ao canal, ou se atravessam grandes plantações onde são feitas pulverizações ou fumigações com herbicidas, fungicidas ou inseticidas, recomenda-se não utiliza-las. Igualmente deverão ser evitas beiradas ou barrancos em ruas muito movimentadas. Os automóveis liberam metais pesados, combustíveis e lubrificantes, e muitas dessas substâncias tóxicas podem ser absorvidas e concentradas pelas plantas.
2. Ao nos encontrarmos fora do contato com a “civilização”, a solução é provar a planta. Não se deve ingerir grandes quantidades e sim porções pequenas. Deixar passar de 2 a 3 horas, se não houver retorcimentos intestinais, dor ou peso no estômago, diarréia ou outros sintomas, pode-se passar a ingerir doses gradualmente maiores. Fazê-lo com uma única espécie de planta por dia, pois com mais de uma espécie será muito difícil determinar quais são as comestíveis e quais as indigestas. Esse era o método que utilizavam os aborígines quando se deparavam com novos alimentos.
3. Ainda que se tenha fome, não comer porções excessivamente volumosas. Se as indigestões ocorrem quando se ingerem grandes porções de uma fruta ou de uma verdura cultivadas, com mais razões podem ocorrer com plantas silvestres que, em alguns casos, são mais difíceis de digerir. Deve-se tratar de variar a dieta, como fazem os pássaros. Ainda que disponham de alimento em abundância, levantam vôo antes de encher a barriga, para diversificar sua dieta.
4. Alguns solos podem conter elementos químicos tóxicos como, por exemplo, o selênio, cobre, cádmio ou nitratos provenientes do uso excessivo de fertilizantes. As plantas (tanto silvestres como cultivadas) podem concentrar estes elementos ou substâncias e serem tóxicas ou, pelo menos, indigestas. Por tal razão, perante sintomas digestivos incomuns deve-se suspender a ingestão de plantas silvestres.
5. Como medida preventiva, recomendamos não recolher nem comer plantas silvestres na frente de crianças pequenas. Eles não têm capacidade de reconhecer com precisão as espécies comestíveis e podem, por tanto, intoxicar-se.
Observação final:” lembrem-se que, assim como os cogumelos, todas plantas no Mundo são comestíveis, algumas uma só vez”
LORENZI, H. 2002. Plantas Medicinais do Brasil. Nova Odessa, SP, Ed. Plantarum, 1 ed., 520 p.
LORENZI, H. 2000. Plantas Daninhas do Brasil. Nova Odessa, SP, Ed. Plantarum, 3 ed., 615 p.
PRIMAVESI, A. 1997. Agroecologia, Ecosfera, Tecnosfera e Agricultura. São Paulo, Ed. Nobel, 199 p.
RAPOPORT, E.; LADIO, A.H. & SANZ, E. 1999. Plantas Comestibles – De la Patagonia Andina – Parte 1. Ed. Imaginaria, Bariloche
ZURILO, C. & BRANDÃO, M. 1989. As Ervas Comestíveis. São Paulo, Globo, 167p.
“Toni Backes – Paisagismo”
Deixe um comentário